sexta-feira, 20 de abril de 2007

Sobre ser livre...
Quando se diz que a liberdade de cada um termina quando começa a do outro, o que se procura no fundo é evitar o questionamento do que deve ser a liberdade. A posição limita-se a considerar o seu exercício, sem maiores especulações sobre o que possa ser efetivamente considerado como liberdade. Nessas condições, admite-se como direito de liberdade de um ser, ele realizar tudo quanto queira desde que suas ações não venham a interferir na vida do outro. O que não se admitem são os choques, os conflitos. Desde modo, não teria eu o direito de fazer tudo quanto quisesse desde que não perturbasse a vida de outra pessoa. Sim, o sentido parece este. Mas, seria isso aceitável?
Primeiro, é possível todas as pessoas agirem de tal modo que cada um faça o que quer desde que não afete a vida do outro?
Admitamos, teoricamente, que isso seja possível. Quais seriam as conseqüências?
Ousamos dizer que as conseqüências estariam em que toda vida humana seria perturbada. Como pretender não afetar a vida do outro se naturalmente nossas vidas são afetadas umas pelas outras? Depois não basta admitir a liberdade de um em separado a liberdade de outro, uma vez que faz parte legitima da liberdade de cada um esperar do outro aquilo que lhe é devido, ou seja, não é possível escamotear o fato de que uns tem para com os outros deveres recíprocos. O homem é de fato um animal social. Desta forma não podemos esperar que realize um plano de sua liberdade a não ser dentro de um contexto social. A sua liberdade é na verdade é uma co-liberdade. Ele a constrói em espírito de comunidade, dentro de um sentido de co-participação.
(Eduardo Mendonça- A construção da liberdade)
Adaptação: Rômulo Ferreira e Douglas Estanislau

terça-feira, 10 de abril de 2007

“AMOR E ANARQUIA”



A pergunta é horrível, pois mostra o desejo de que haja seres humanos obrigados a se prostituírem, mas é também terrível... Terrivelmente humana. Alguns diziam que o remédio poderia encontrar-se na abolição radical da família; a abolição do parceiro (a) sexual mais ou menos estável, reduzindo o amor somente ao ato físico, ou melhor, dizendo, transformando – o,
como união sexual como adição, em um sentimento parecido a amizade que reconheça a multiplicidade, a variedade, a contemporaneidade de afetos. E os filhos?... Filhos de todos. Pode ser abolida a família? É desejável que se seja? Observemos antes de qualquer coisa, que apesar do regime de opressão e de mentiras que tem prevalecido e prevalece ainda na família, esta tem sido e continua sendo o maior fator do desenvolvimento humano, pois na família é onde o homem normal sacrifica – se pelo homem e cumpre o bem pelo bem, sem desejar outra compensação que o amor da companheira e dos filhos. Mas, se nos diz, uma vez eliminadas as questões de interesse de todos, os homens serão irmãos e se amarão mutuamente. Certamente não se odiarão; certo que o sentimento de simpatia e de solidariedade se desenvolveriam muito e que o interesse geral dos homens se converteria em um fator importante na determinação da conduta de cada um. Mas isto não é ainda o amor. Amar todo mundo se perece com não amar ninguém. Podemos, talvez socorrer, mas não podemos chorar todas as desgraças, pois nossa vida se deslizaria inteira entre lágrimas e, sem dúvida, o lamento da simpatia é o consolo mais doce para um coração que sofre. A estatística dos falecimentos e dos nascimentos pode nos oferecer dados interessantes para conhecer as necessidades da sociedade; mas não diz nada a nossos corações.
Nos é materialmente impossível entristecer – nos por cada homem que morre ou regozijar – mos por cada nascimento. E se não amamos a alguém mais interessante que aos demais; se não há um só ser pelo qual não estejamos particularmente dispostos a nos sacrificar, se não conhecemos outro amor que este amor moderado, vago, quase teórico, que podemos sentir por todos, não resultaria em uma vida menos feliz, menos fecunda, menos bela? Não se veria diminuída a natureza humana em seus mais belos impulsos? O amor é o que é. Quando se ama fortemente, se sente a necessidade do contato, da possessão exclusiva do ser amado. Os céus, compreendidos no melhor sentido da palavra, parecem e formam geralmente uma coisa só com o amor. O fato poderia ser lamentável, mas não se pode mudar a vontade, nem sequer à vontade do que pessoalmente sofre. Para nós o amor é uma paixão que gera por si própria tragédias. Estas não se traduziriam mais, certamente, em atos violentos e brutais se o homem tivesse o sentimento de respeito a liberdade alheia, se tivesse bastante domínio sobre si mesmo para compreender que não se remedia um mal com outro maior, e se a opinião publica não fosse , como hoje, tão indulgente com os crimes passionais; mais tragédias não seriam por isso menos dolorosas. Enquanto os homens tiverem os sentimentos que têm – e uma mudança no regime econômico e político da sociedade não nos parece suficiente para modifica-los por inteiro – o amor produziria ao mesmo tempo em que grandes alegrias, grandes dores. Só poderá diminuí-los ou atenuá-los, com a eliminação de todas as causas que podem ser eliminadas, mas sua destruição completa é impossível. É esta a razão para não aceitar nossas idéias e querer permanecer no estado atual? Assim se produziria como aquele que não podendo comprar vestidos luxuosos prefere andar nu, ou o que não podendo comer perdizes todos os dias renuncia ao pão, ou como um médico que, dada a impotência da ciência atual frente certas enfermidades se nega a curar as que são curáveis. Eliminemos a exploração do homem pelo homem, combatamos a pretensão brutal do macho que acredita ser dono da mulher, combatamos os preconceitos religiosos, sócias e sexuais, asseguremos a todos, homens, mulheres e crianças, o bem-estar e a liberdade, propaguemos a instrução e então poderemos regozijar com razão se não ficam mais males que os do amor. Em todo caso, os desgraçados no amor poderão procurar outros gozos, pois não acontecerá como hoje, em que o amor e o álcool constituem os únicos consolos da maior parte da humanidade.
A princípio pode parecer estranho que a questão do amor e todas que lhe são conexas preocupem muito a um grande número de mulheres e homens enquanto há outros problemas mais urgentes, se não mais importantes, que deveriam monopolizar toda atenção e toda a atividade dos que procuram o modo de remediar os males que sofre a humanidade. Encontramos diariamente pessoas esmagadas pelo peso das instituições atuais; pessoas obrigadas a alimentar – se mal e ameaçadas a cada instante de cair na miséria mais profunda por falta de emprego ou em conseqüência de uma enfermidade; pessoas que se acham na impossibilidade de criar convenientemente seus filhos, que morrem a mingua carecendo dos cuidados necessários; pessoas condenadas a passar sua vida sem ser um só dia donas de si mesmas, sempre a mercê dos patrões ou da polícia; pessoas para as quais o direito de Ter uma família e o direito de amar é uma ironia sangrenta e que, sem dúvida, não aceitam os meios que lhes propomos para subtrair-se da escravidão política e econômica se antes não sabemos explicar-lhes de que modo em uma sociedade libertária, a necessidade de amar encontrará sua satisfação e de que modo compreendemos a organização da família. E, naturalmente, esta preocupação se engrandece e faz descuidar e até depreciar os demais problemas e pessoas que tem decidido, particularmente, o problema da fome e que se encontram em situação normal de poder satisfazer as necessidades mais inerentes porque vivem em um ambiente de bem-estar relativo. Este fato se explica dado o lugar imenso que ocupa o amor na vida moral e material do homem, posto que no lar, na família é onde o homem gasta a maior e melhor parte de sua vida. E se explica também por uma tendência no sentido do “dial” que arrebata ao espírito humano tão prontamente como se abre a consciência. Enquanto o homem sofre sem se dar conta dos sofrimentos, sem buscar o remédio e sem rebelar-se, vive semelhante aos brutos, aceitando a vida tal como a encontra. Mas desde que começa a pensar e a compreender qeu seus males não se devem a insuperáveis fatalidades naturais, senão a causas humanas que os homens podem destruir, experimenta em seguida uma necessidade de perfeição e quer, idealmente ao menos, gozar de uma sociedade em que reine a harmonia absoluta e em que a dor tenha desaparecido por completo e para sempre. Esta tendência é muito útil, já que impulsiona a andarmos para frente, mas também se volta nociva se, com pretexto de que não se pode alcançar a perfeição e que é impossível suprimir todos os perigos e defeitos, nos aconselha descuidar as realizações possíveis para continuar no estado atual. Agora bem, e digamos em seguida, não temos nenhuma solução para remediar aos males que provêm do amor, pois não se podem destruir com reformas sociais, nem sequer com uma mudança de costumes. Estão determinados por sentimentos profundos, poderíamos dizer fisiológicos do homem, e não são modificáveis. Quando o são, senão por uma lenta evolução e de um modo que não podemos prever.
Queremos a liberdade, queremos que os homens possam amar – se e unir – se livremente sem outro motivo alem do amor, sem nenhuma violência legal, econômica ou física. Mas a liberdade, ainda sendo a única solução que podemos e devemos oferecer, não resolve radicalmente o problema, dado que o amor para ser satisfeito, tem a necessidade de duas liberdades que concordem e que não concordem de modo algum; e dado também que a liberdade de fazer o que se quer é uma frase desprovida de sentido quando não se sabe o que quer. É muito fácil dizer: “ Quando um homem e uma mulher se amam, se unem; quando param de se amar, se separam”.Mas seria necessário para que este princípio se convertesse em regra geral e segura de felicidade, que se amassem e parassem de se amar ao mesmo tempo. E se um ama e não é amado? E se enquanto um ainda ama, outro já não lhe ama e trata da satisfazer uma nova paixão? E se ama ao mesmo tempo várias pessoas que não podem se adaptar a esta promiscuidade?
“Eu sou feio – nos dizia uma vez um amigo – que farei e ninguém me amar?” A pergunta é engraçada, mas também nos deixa antever verdadeiras tragédias. E outro, preocupado, nos dizia: “Atualmente se não encontro o amor, o compro, ainda que tenha que economizar meu pão. Que farei quando não houver mulheres que se vendam?”.
A pergunta é horrível, pois mostra o desejo de que haja seres humanos obrigados a se prostituírem, mas é também terrível... Terrivelmente humana. Alguns diziam que o remédio poderia encontrar-se na abolição radical da família; a abolição do parceiro (a) sexual mais ou menos estável, reduzindo o amor somente ao ato físico, ou melhor, dizendo, transformando – o,
como união sexual como adição, em um sentimento parecido a amizade que reconheça a multiplicidade, a variedade, a contemporaneidade de afetos. E os filhos?... Filhos de todos. Pode ser abolida a família? É desejável que se seja? Observemos antes de qualquer coisa, que apesar do regime de opressão e de mentiras que tem prevalecido e prevalece ainda na família, esta tem sido e continua sendo o maior fator do desenvolvimento humano, pois na família é onde o homem normal sacrifica – se pelo homem e cumpre o bem pelo bem, sem desejar outra compensação que o amor da companheira e dos filhos. Mas, se nos diz, uma vez eliminadas as questões de interesse de todos, os homens serão irmãos e se amarão mutuamente. Certamente não se odiarão; certo que o sentimento de simpatia e de solidariedade se desenvolveriam muito e que o interesse geral dos homens se converteria em um fator importante na determinação da conduta de cada um. Mas isto não é ainda o amor. Amar todo mundo se perece com não amar ninguém. Podemos, talvez socorrer, mas não podemos chorar todas as desgraças, pois nossa vida se deslizaria inteira entre lágrimas e, sem dúvida, o lamento da simpatia é o consolo mais doce para um coração que sofre. A estatística dos falecimentos e dos nascimentos pode nos oferecer dados interessantes para conhecer as necessidades da sociedade; mas não diz nada a nossos corações.
Nos é materialmente impossível entristecer – nos por cada homem que morre ou regozijar – mos por cada nascimento. E se não amamos a alguém mais interessante que aos demais; se não há um só ser pelo qual não estejamos particularmente dispostos a nos sacrificar, se não conhecemos outro amor que este amor moderado, vago, quase teórico, que podemos sentir por todos, não resultaria em uma vida menos feliz, menos fecunda, menos bela? Não se veria diminuída a natureza humana em seus mais belos impulsos? O amor é o que é. Quando se ama fortemente, se sente a necessidade do contato, da possessão exclusiva do ser amado. Os céus, compreendidos no melhor sentido da palavra, parecem e formam geralmente uma coisa só com o amor. O fato poderia ser lamentável, mas não se pode mudar a vontade, nem sequer à vontade do que pessoalmente sofre. Para nós o amor é uma paixão que gera por si própria tragédias. Estas não se traduziriam mais, certamente, em atos violentos e brutais se o homem tivesse o sentimento de respeito a liberdade alheia, se tivesse bastante domínio sobre si mesmo para compreender que não se remedia um mal com outro maior, e se a opinião publica não fosse , como hoje, tão indulgente com os crimes passionais; mais tragédias não seriam por isso menos dolorosas. Enquanto os homens tiverem os sentimentos que têm – e uma mudança no regime econômico e político da sociedade não nos parece suficiente para modifica-los por inteiro – o amor produziria ao mesmo tempo em que grandes alegrias, grandes dores. Só poderá diminuí-los ou atenuá-los, com a eliminação de todas as causas que podem ser eliminadas, mas sua destruição completa é impossível. É esta a razão para não aceitar nossas idéias e querer permanecer no estado atual? Assim se produziria como aquele que não podendo comprar vestidos luxuosos prefere andar nu, ou o que não podendo comer perdizes todos os dias renuncia ao pão, ou como um médico que, dada a impotência da ciência atual frente certas enfermidades se nega a curar as que são curáveis. Eliminemos a exploração do homem pelo homem, combatamos a pretensão brutal do macho que acredita ser dono da mulher, combatamos os preconceitos religiosos, sócias e sexuais, asseguremos a todos, homens, mulheres e crianças, o bem-estar e a liberdade, propaguemos a instrução e então poderemos regozijar com razão se não ficam mais males que os do amor. Em todo caso, os desgraçados no amor poderão procurar outros gozos, pois não acontecerá como hoje, em que o amor e o álcool constituem os únicos consolos da maior parte da humanidade.


“AMOR E ANARQUIA” Errico Malatesta
Adaptado por Rômulo Ferreira em dezembro de 2006

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